segunda-feira, 5 de abril de 2010

Resenha do filme O Julgamento de Nuremberg


O filme se passa numa época de nossa história recente, trazendo profundas mudanças na humanidade. A sociedade moderna é um reflexo histórico das transformações trazidas com a II Guerra Mundial, principalmente sobre o paradigma da dignidade humana, servindo de norte para legislações dos Estados, orientando a condução de diretrizes éticas.
Esta película narra o julgamento de chefes das Alemanha Nazista após a II Grande Guerra, num acordo assinado em Londres pelos países aliados: Inglaterra, França, USA e URSS, com a finalidade de julgar os crimes de guerra ou contra a humanidade no âmbito do direito internacional, como a triste estatística da morte de seis milhões de judeus. Isto resultou numa série de 13(treze) julgamentos, realizados em Nuremberg (Na própria Alemanha), entre 1945 a 1949. Julgando vinte e quatro pessoas, vinte das quais médicos. Os crimes aos quais foram acusados foram: Conspiração contra a paz, recorrendo para tal a um plano comum destinado a tomar o poder e instituir um regime totalitário, com o objetivo deliberado de efetuar uma guerra de agressão, atentados contra a paz e atos de agressão, crimes de Guerra e violação das Convenções de Haia e Genebra e crimes contra a Humanidade, perseguição e extermínio, e outras barbáries contra presos políticos e civis. De início os Russos queriam que o julgamento acontecesse em Berlim, contudo pela capacidade de aprisionamento e instalações para o acolhimento de centenas de pessoas, que de forma direta ou indireta estavam envolvidos no processo, aconteceu em Nuremberg. O julgamento de Nuremberg iniciou-se no dia 09 de dezembro de 1946 e durou aproximadamente dez meses, publicando em seu final além das sentenças um código, intitulado de Código de Nuremberg. A sala do julgamento foi condicionada especialmente para que as quatro nações envolvidas tivessem pleno conhecimento de todas as etapas do processo, sendo disponibilizados microfones e auriculares, além de interpretes para o inglês, russo, francês e alemão, familiarizados inclusive com a terminologia jurídica. O Tribunal era composto por quatro juízes, um por cada uma das potências vencedoras, e quatro outros de reserva. O presidente do coletivo era o britânico Geoffrey Lawrence e o seu adjunto era Sir William N. Birkett. Entrou para história como sendo um dos maiores de nossa civilização, como o de Sócrates e o de Joana D’arc, com a diferença de números e consequências, contudo detentor de grande polêmica, para uns entusiasmados, um progresso do direito internacional e para outros críticos, um tribunal preparado e arbitrário, onde se observou a negação de postulados basilares do direito penal, como a rejeição do princípio da legalidade, dando a um plano de julgamento com elementos incriminadores pretéritos, não considerados crimes em sua prática na sua época, impondo aos acusados penas severas e cruéis, sem direito a recursos para sua defesa, sendo desde sua criação, condicionados as vontades de seus inquisidores. O Propósito de sua formação foi dar aos seus carrascos sua vingança. Winston Churchill foi o primeiro, no início de 1941, a lançar a idéia de pôr em marcha um grande processo legal destinado a julgar os responsáveis máximos do regime nazista, as suas instituições e organizações. “O castigo pelos crimes cometidos deverá ter lugar no momento em que termine o conflito”, declarou então o primeiro-ministro britânico. A 7 de Outubro de 1942 era criada a Comissão das Nações Unidas para os Crimes de Guerra, tendo como objetivo principal elaborar a lista dos responsáveis que deveriam ser julgados no final da Segunda Grande Guerra.
De acordo com o site Wkipedia: “Após estes julgamentos, foram realizados os Processos de Guerra de Nuremberg, que também levam em conta os demais processos contra médicos, juristas, pessoas importantes do Governo entre outros, que aconteceram perante o Tribunal Militar Americano e onde foram analisadas 117 acusações contra os criminosos”.
Juízes e promotores públicos de todos os quatro países tomaram parte no primeiro julgamento, que teve como réus 22 líderes da Alemanha nazista. Dentre esses líderes estavam Hermann Goering, Rudolf Hess, Joachim von Ribbentrop, Robert Ley, Wilhelm Keitel, Ernst Kaltenbrunner, Alfred Rosemberg, Hans Frank, Hjalmar Schacht, Gustav Krupp, Karl Donitz, Erich Raeder, Baldur Von Schirach, Fritz Saukel, Alfred Jodl, Martin Borman, Franz Von Papen, Arthur Seyss-Inquart, Albert Speer, Canstantin Von Neurath e Hans Fritzche. Em 1.° de outubro de 1946, o tribunal condenou 19 réus e inocentou Schacht, Papen e Fritzche. Sete réus, Hess, Funk e Raeder foram sentenciados à prisão perpétua. Schirach e Speer condenados à 20 anos de prisão, Neurath à 15 anos de prisão e Donitz à 10 anos de prisão. Bormann, Goering, von Ribbentrop e os outros foram condenados à morte. Martin Bormann foi julgado in absentia (na ausência) e não foi encontrado. Os outros condenados foram enforcados em Nuremberg, em 16 de outubro, a exceção de Goering que se suicidou em 15 de outubro, na prisão, com uma cápsula de cianureto de potássio, sem que ninguém tenha sido acusado de fornecê-lo.
O grande símbolo da vingança antinazista foi o julgamento de Hermann Goering (1893-1946), militar estrategista e político, responsável por recrutar soldados e trabalhadores, neste último, escravizando-nos, na produção armamentística. Era um dos braços direito de Hitler. No julgamento foi o terceiro a entrar no recinto com trinta quilos a menos, devido ao tratamento de seu vício a morfina, ostentando todas as suas medalhas. Sua defesa, do advogado Oto Stahmer, baseou-se a ofensa, como dito acima, ao princípio da legalidade, bem como seu dever de obediência hierárquica, (alegações repetidas por Keitel: "Defendo-me com a obrigação, comum a qualquer militar, de obediência às ordens dos superiores"; e por Frick: “Cumpri o meu dever de funcionário do Estado. Se me condenam a mim teriam, então, que condenar milhares de outros funcionários"), porém ambas as alegações foram repudiadas pelo tribunal. Em minha pesquisa encontrei a declaração do juiz Biddle: "os indivíduos têm deveres internacionais a cumprir, acima dos deveres nacionais que um Estado particular possa impor". Ora, onde ficam o espírito das nações, suas autonomias, suas soberanias ?.
Quando da entrega das acusações aos prisioneiros, a reação foi individualizada, onde Goering confessou: "O vencedor será sempre o juiz e o derrotado o acusado" e em sua defesa declarou: “Os campos de concentração, as detenções e a repressão não são criações do nazismo, mas necessidades políticas. Todas as nossas ações militares tinham por fundamento a necessidade de espaço vital. Compreendo que países que dominam três quartos do Planeta não compreendam, facilmente, esta necessidade alemã”. Houve ai a vitória do sionismo internacional. Contudo a defesa dos sentenciados não teve tempo para a colhida de provas, prepararem as alegações e surpreendia-se com inovações processuais trazidas pela Corte, pressão internacional, pedidos de celeridade no processo, isso sem contar o boicote as testemunhas de defesa e as grandes provas documentadas das atrocidades cometidas nos autos. Goering foi condenado à pena capital, morte por enforcamento, sendo cumprida a sentença, enforcamento de seu cadáver (Incoerência absurda). Ao final, três dos réus foram absolvidos. Oito receberam sentença de prisão perpétua e os demais foram sentenciados à morte por enforcamento.
A Alemanha nazista, tendo como seu chefe o líder do Partido Nacional Socialista, Adolf Hitler, é a prova de que o Estado de Direito pode ser usado em favor do totalitarismo, a lei é feita de acordo com a vontade de apenas um ou poucos. Não se preocupam com nenhum processo jurídico, desafiavam leis humanas, leis de direito natural, direito internacional ou qualquer outro direito que valorizassem a democracia, o que os interessavam eram os seus desígnios.
A humanidade evolui com a superação de suas vicissitudes, tanto é a demonstração de sua recuperação, que as intolerâncias hoje são repudiadas, longe é claro de sermos uma civilização sonhada por Tomazo Campanella (Cidade do Sol), planejada por Thomas More (Utopia) ou sustentada por Voltaire (Manifesto da Tolerância), contudo estamos caminhando, buscando fórmulas para convivência e paz. Procurando ainda responder ao extermínio em massa e aos horrores da era Hitler, em 9 dezembro de 1948 é aprovada pela ONU a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio. Para essa convenção, o genocídio é definido como a destruição, no todo ou em parte, de um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, isto é, no genocídio as pessoas são mortas não pelo que eventualmente cometeram, mas pelo que são, enquanto nação, etnia, raça e religião.
Outro grande passo da humanidade nesta mesma época, especificamente em 1948, foi a instituição da consagrada Declaração Universal dos Direitos do Homem, formulada pela ONU em Paris, onde determina que toda pessoa tem direito, em condições de plena igualdade, a ser ouvida publicamente e com justiça por um tribunal independente e imparcial, para a determinação de seus direitos e obrigações ou para o exame de qualquer acusação contra ela em matéria penal.
Hodiernamente o indivíduo conta com a evolução do direito material e com ele também da ciência processual, em sua fase instrumentalista, defende uma postura garantista do processo. De acordo com Aury Lopes Jr.: “O processo, como instrumento para a realização do Direito Penal, deve realizar sua dupla função: de um lado, tornar viável a aplicação da pena, e de outro, servir como efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais, assegurando os indivíduos contra os atos abusivos do Estado”. Nesse sentido, o processo penal deve servir como instrumento de limitação da atividade estatal, estruturando-se de modo a garantir plena efetividade aos direitos individuais constitucionalmente previstos, como a presunção de inocência, contraditório, defesa, etc.
Nesse sentido, um importante passo vem sendo dado para alargar o universo das garantias do devido processo legal. Consiste na introdução, nas constituições, além das garantias explícitas, de regra genérica que assegure a todos a garantia do devido processo, uma "garantia inominada" que, por construções doutrinárias e jurisprudenciais, servirá para que se considere como constitucional determinada garantia não expressa.
O nosso ordenamento jurídico estabeleceu este princípio na Constituição de 1988, em seu artigo 5º, inciso LIV, declarando que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Isto se deve a um processo lento e contínuo de transformação, reforçando tal idéia vem à lição de Canotilho: "Perante as experiências históricas da aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a dignidade da pessoa humana como base da república significa, sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do "homo noumenon", ou seja, o indivíduo como limite e fundamento do domínio político da república". Na esteira do pensamento iluminista dos séculos XVII e XVIII, o Garantismo parte da noção meta-teórica da centralidade da pessoa e de seus direitos fundamentais, bem como da anterioridade lógica da sociedade em relação ao Estado, que é visto como produto e servo daquela. Elaborado por Luigi Ferrajoli e outros juristas a partir dos últimos anos da década passada na Itália, o Garantismo dá ainda seus primeiros passos, mas desde já se apresenta como uma teoria suficientemente promissora para alimentar as esperanças daqueles que acreditam que o Estado de Direito ainda pode ser eficazmente realizado.
O garantismo sustenta o modelo de Direito Penal Mínimo de Ferrajoli. Esse modelo está vinculado diretamente ao modelo de processo penal garantista. Só um processo penal que, em garantia dos direitos do imputado, minimize os espaços impróprios da discricionariedade judicial, pode oferecer um sólido fundamento para a independência da magistratura e ao seu papel de controle da legalidade do poder.
Vale salientar que a evolução do processo penal está intimamente relacionada com a evolução da pena, que por sua vez é reflexo da estrutura do Estado em um determinado período. O processo surge com o terceiro estágio de desenvolvimento da pena, agora como "pena estatal", que vem marcada por uma limitação jurídica do poder de perseguir e punir. A pena somente pode ser imposta mediante o processo judicial e pelo Estado.
Ressalta-se nas lições de Guilerme de Souza Nucci que: “A punição estatal, logo oficial, realizada por meio do devido processo legal, proporciona o necessário contexto do Estado Democrático de Direito, evitando-se a insatisfatória e cruel vingança privada”. Porém para a justiça brasileira aplicava-se sempre uma justiça retributiva, desprezando quase por completa a avaliação da vítima do delito, o que interessava era a punição do indivíduo, excluindo por vezes valores indisponíveis em prol dos coletivos. Aos poucos vem sendo substituída esse tipo de pena por uma justiça restaurativa, começando a relativizar os interesses, transformando de coletivos em “individuais típicos”, disponíveis. Ouvindo-se mais as vítimas, procurando uma conciliação durante o processo, até mesmo o perdão recíproco, restaurando o estado de paz. Há uma flexibilização da ação penal. O sistema penal caminha para a valorização de direito e garantias individuais. Contudo, Nucci alerta que não se pode migrar em definitivo para o sistema restaurativo das penas, pois isso não proporcionará o equilíbrio almejando entre os penalistas.
Se por um lado o filme traz a tona questões de ordem humanística, também revela como pode ser tênue a linha que perpassa a justiça de fato e a de direito, esta última tendo a faculdade de privar o homem de sua liberdade, portanto sendo especialmente importante, por isso a necessidade de garantias constitucionais, respeitando-se princípios como o devido processo legal, um macro princípio que permeia em sua fonte outros, como o da ampla defesa e o contraditório, da presunção da inocência, da legalidade ou da reserva legal, do duplo grau de jurisdição, da individualização da pena, etc. Nesse entendimento, faz-se necessário estabelecer estratégias de defesa com o intuito de proteger garantias postas em nossa Carta Magna, bem como sua aplicação dentro do caso concreto, humanizando as penas, evitando a estigmatização (teoria do etiquetamento) do indivíduo.
O julgamento de Nuremberg é sem dúvida um filme obrigatório para o estudante de direito, pois revela de forma contundente e esclarecedora como o direito pode ser usado de forma negativa, impondo uma trajetória em que se estabelece um comportamento ético. Portanto agradeço ao professor Uraquitan pela oportunidade de conhecer o conteúdo deste filme, bem como de estender-me em minhas considerações.

Curiosidades:
1. As sentenças à morte foram realizadas por enforcamento. Os juízes franceses sugeriram o uso do fuzilamento para os condenados militares, visto tratar-se de um procedimento normal para tribunais de guerra militares, mas tal foi oposto por Biddle e pelos juízes soviéticos. Estes argumentaram que os oficiais militares tinham violado a ética militar e não mereciam serem fuzilados, o que seria mais dignificante;
2. Foi reportado que Streicher tenha gritado Heil Hitler! na forca;
3. Os prisioneiros foram incarcerados na Prisão de Spandau.
4. O Tribunal Penal Internacional (TPI) ou Corte Penal Internacional (CPI) é o primeiro tribunal penal internacional permanente. Foi estabelecido em 2002 em Haia, cidade nos Países Baixos, onde inclusive fica a sede do Tribunal, conforme estabelece o artigo 3º do Estatuto de Roma, documento aprovado no Brasil pelo Decreto Nº 4.388 de 25 de setembro de 2002.
5. O objetivo da CPI é promover o Direito internacional, e seu mandato é de julgar os indivíduos e não os Estados (tarefa do Tribunal Internacional de Justiça). Ela é competente somente para os crimes mais graves cometidos por indivíduos: (genocídios, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e talvez os crimes de agressão quando estes tiverem sido definidos), tais que definidos por diversos acordos internacionais, principalmente o estatuto de Roma. O nascimento de uma jurisdição permanente universal é um grande passo em direção da universalidade dos Direitos humanos e do respeito do direito internacional.
6. O Tribunal Internacional de Justiça ou Corte Internacional de Justiça é o principal órgão judiciário da Organização das Nações Unidas. Tem sede em Haia, nos Países Baixos. Por isso, também costuma ser denominada como Corte da Haia ou Tribunal da Haia. Sua sede é o Palácio da Paz. Foi instituído pelo artigo 92 da Carta das Nações Unidas: « A Corte Internacional de Justiça constitui o órgão judiciário principal das Nações Unidas. Funciona de acordo com um Estatuto estabelecido com base no Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional e anexado à presente Carta da qual faz parte integrante." Sua principal função é de resolver conflitos jurídicos a ele submetidos pelos Estados e emitir pareceres sobre questões jurídicas apresentadas pela Assembléia Geral das Nações Unidas, pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ou por órgãos e agências especializadas acreditadas pela Assembléia da ONU, de acordo com a Carta das Nações Unidas. Foi fundado em 1946, após a Segunda Guerra Mundial, em substituição à Corte Permanente de Justiça Internacional, instaurada pela Sociedade das Nações. O Tribunal Internacional de Justiça não deve ser confundido com a Corte Penal Internacional, que tem competência para julgar indivíduos e não Estados.
Flávio Fraga