segunda-feira, 5 de abril de 2010

Resenha do filme O Julgamento de Nuremberg


O filme se passa numa época de nossa história recente, trazendo profundas mudanças na humanidade. A sociedade moderna é um reflexo histórico das transformações trazidas com a II Guerra Mundial, principalmente sobre o paradigma da dignidade humana, servindo de norte para legislações dos Estados, orientando a condução de diretrizes éticas.
Esta película narra o julgamento de chefes das Alemanha Nazista após a II Grande Guerra, num acordo assinado em Londres pelos países aliados: Inglaterra, França, USA e URSS, com a finalidade de julgar os crimes de guerra ou contra a humanidade no âmbito do direito internacional, como a triste estatística da morte de seis milhões de judeus. Isto resultou numa série de 13(treze) julgamentos, realizados em Nuremberg (Na própria Alemanha), entre 1945 a 1949. Julgando vinte e quatro pessoas, vinte das quais médicos. Os crimes aos quais foram acusados foram: Conspiração contra a paz, recorrendo para tal a um plano comum destinado a tomar o poder e instituir um regime totalitário, com o objetivo deliberado de efetuar uma guerra de agressão, atentados contra a paz e atos de agressão, crimes de Guerra e violação das Convenções de Haia e Genebra e crimes contra a Humanidade, perseguição e extermínio, e outras barbáries contra presos políticos e civis. De início os Russos queriam que o julgamento acontecesse em Berlim, contudo pela capacidade de aprisionamento e instalações para o acolhimento de centenas de pessoas, que de forma direta ou indireta estavam envolvidos no processo, aconteceu em Nuremberg. O julgamento de Nuremberg iniciou-se no dia 09 de dezembro de 1946 e durou aproximadamente dez meses, publicando em seu final além das sentenças um código, intitulado de Código de Nuremberg. A sala do julgamento foi condicionada especialmente para que as quatro nações envolvidas tivessem pleno conhecimento de todas as etapas do processo, sendo disponibilizados microfones e auriculares, além de interpretes para o inglês, russo, francês e alemão, familiarizados inclusive com a terminologia jurídica. O Tribunal era composto por quatro juízes, um por cada uma das potências vencedoras, e quatro outros de reserva. O presidente do coletivo era o britânico Geoffrey Lawrence e o seu adjunto era Sir William N. Birkett. Entrou para história como sendo um dos maiores de nossa civilização, como o de Sócrates e o de Joana D’arc, com a diferença de números e consequências, contudo detentor de grande polêmica, para uns entusiasmados, um progresso do direito internacional e para outros críticos, um tribunal preparado e arbitrário, onde se observou a negação de postulados basilares do direito penal, como a rejeição do princípio da legalidade, dando a um plano de julgamento com elementos incriminadores pretéritos, não considerados crimes em sua prática na sua época, impondo aos acusados penas severas e cruéis, sem direito a recursos para sua defesa, sendo desde sua criação, condicionados as vontades de seus inquisidores. O Propósito de sua formação foi dar aos seus carrascos sua vingança. Winston Churchill foi o primeiro, no início de 1941, a lançar a idéia de pôr em marcha um grande processo legal destinado a julgar os responsáveis máximos do regime nazista, as suas instituições e organizações. “O castigo pelos crimes cometidos deverá ter lugar no momento em que termine o conflito”, declarou então o primeiro-ministro britânico. A 7 de Outubro de 1942 era criada a Comissão das Nações Unidas para os Crimes de Guerra, tendo como objetivo principal elaborar a lista dos responsáveis que deveriam ser julgados no final da Segunda Grande Guerra.
De acordo com o site Wkipedia: “Após estes julgamentos, foram realizados os Processos de Guerra de Nuremberg, que também levam em conta os demais processos contra médicos, juristas, pessoas importantes do Governo entre outros, que aconteceram perante o Tribunal Militar Americano e onde foram analisadas 117 acusações contra os criminosos”.
Juízes e promotores públicos de todos os quatro países tomaram parte no primeiro julgamento, que teve como réus 22 líderes da Alemanha nazista. Dentre esses líderes estavam Hermann Goering, Rudolf Hess, Joachim von Ribbentrop, Robert Ley, Wilhelm Keitel, Ernst Kaltenbrunner, Alfred Rosemberg, Hans Frank, Hjalmar Schacht, Gustav Krupp, Karl Donitz, Erich Raeder, Baldur Von Schirach, Fritz Saukel, Alfred Jodl, Martin Borman, Franz Von Papen, Arthur Seyss-Inquart, Albert Speer, Canstantin Von Neurath e Hans Fritzche. Em 1.° de outubro de 1946, o tribunal condenou 19 réus e inocentou Schacht, Papen e Fritzche. Sete réus, Hess, Funk e Raeder foram sentenciados à prisão perpétua. Schirach e Speer condenados à 20 anos de prisão, Neurath à 15 anos de prisão e Donitz à 10 anos de prisão. Bormann, Goering, von Ribbentrop e os outros foram condenados à morte. Martin Bormann foi julgado in absentia (na ausência) e não foi encontrado. Os outros condenados foram enforcados em Nuremberg, em 16 de outubro, a exceção de Goering que se suicidou em 15 de outubro, na prisão, com uma cápsula de cianureto de potássio, sem que ninguém tenha sido acusado de fornecê-lo.
O grande símbolo da vingança antinazista foi o julgamento de Hermann Goering (1893-1946), militar estrategista e político, responsável por recrutar soldados e trabalhadores, neste último, escravizando-nos, na produção armamentística. Era um dos braços direito de Hitler. No julgamento foi o terceiro a entrar no recinto com trinta quilos a menos, devido ao tratamento de seu vício a morfina, ostentando todas as suas medalhas. Sua defesa, do advogado Oto Stahmer, baseou-se a ofensa, como dito acima, ao princípio da legalidade, bem como seu dever de obediência hierárquica, (alegações repetidas por Keitel: "Defendo-me com a obrigação, comum a qualquer militar, de obediência às ordens dos superiores"; e por Frick: “Cumpri o meu dever de funcionário do Estado. Se me condenam a mim teriam, então, que condenar milhares de outros funcionários"), porém ambas as alegações foram repudiadas pelo tribunal. Em minha pesquisa encontrei a declaração do juiz Biddle: "os indivíduos têm deveres internacionais a cumprir, acima dos deveres nacionais que um Estado particular possa impor". Ora, onde ficam o espírito das nações, suas autonomias, suas soberanias ?.
Quando da entrega das acusações aos prisioneiros, a reação foi individualizada, onde Goering confessou: "O vencedor será sempre o juiz e o derrotado o acusado" e em sua defesa declarou: “Os campos de concentração, as detenções e a repressão não são criações do nazismo, mas necessidades políticas. Todas as nossas ações militares tinham por fundamento a necessidade de espaço vital. Compreendo que países que dominam três quartos do Planeta não compreendam, facilmente, esta necessidade alemã”. Houve ai a vitória do sionismo internacional. Contudo a defesa dos sentenciados não teve tempo para a colhida de provas, prepararem as alegações e surpreendia-se com inovações processuais trazidas pela Corte, pressão internacional, pedidos de celeridade no processo, isso sem contar o boicote as testemunhas de defesa e as grandes provas documentadas das atrocidades cometidas nos autos. Goering foi condenado à pena capital, morte por enforcamento, sendo cumprida a sentença, enforcamento de seu cadáver (Incoerência absurda). Ao final, três dos réus foram absolvidos. Oito receberam sentença de prisão perpétua e os demais foram sentenciados à morte por enforcamento.
A Alemanha nazista, tendo como seu chefe o líder do Partido Nacional Socialista, Adolf Hitler, é a prova de que o Estado de Direito pode ser usado em favor do totalitarismo, a lei é feita de acordo com a vontade de apenas um ou poucos. Não se preocupam com nenhum processo jurídico, desafiavam leis humanas, leis de direito natural, direito internacional ou qualquer outro direito que valorizassem a democracia, o que os interessavam eram os seus desígnios.
A humanidade evolui com a superação de suas vicissitudes, tanto é a demonstração de sua recuperação, que as intolerâncias hoje são repudiadas, longe é claro de sermos uma civilização sonhada por Tomazo Campanella (Cidade do Sol), planejada por Thomas More (Utopia) ou sustentada por Voltaire (Manifesto da Tolerância), contudo estamos caminhando, buscando fórmulas para convivência e paz. Procurando ainda responder ao extermínio em massa e aos horrores da era Hitler, em 9 dezembro de 1948 é aprovada pela ONU a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio. Para essa convenção, o genocídio é definido como a destruição, no todo ou em parte, de um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, isto é, no genocídio as pessoas são mortas não pelo que eventualmente cometeram, mas pelo que são, enquanto nação, etnia, raça e religião.
Outro grande passo da humanidade nesta mesma época, especificamente em 1948, foi a instituição da consagrada Declaração Universal dos Direitos do Homem, formulada pela ONU em Paris, onde determina que toda pessoa tem direito, em condições de plena igualdade, a ser ouvida publicamente e com justiça por um tribunal independente e imparcial, para a determinação de seus direitos e obrigações ou para o exame de qualquer acusação contra ela em matéria penal.
Hodiernamente o indivíduo conta com a evolução do direito material e com ele também da ciência processual, em sua fase instrumentalista, defende uma postura garantista do processo. De acordo com Aury Lopes Jr.: “O processo, como instrumento para a realização do Direito Penal, deve realizar sua dupla função: de um lado, tornar viável a aplicação da pena, e de outro, servir como efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais, assegurando os indivíduos contra os atos abusivos do Estado”. Nesse sentido, o processo penal deve servir como instrumento de limitação da atividade estatal, estruturando-se de modo a garantir plena efetividade aos direitos individuais constitucionalmente previstos, como a presunção de inocência, contraditório, defesa, etc.
Nesse sentido, um importante passo vem sendo dado para alargar o universo das garantias do devido processo legal. Consiste na introdução, nas constituições, além das garantias explícitas, de regra genérica que assegure a todos a garantia do devido processo, uma "garantia inominada" que, por construções doutrinárias e jurisprudenciais, servirá para que se considere como constitucional determinada garantia não expressa.
O nosso ordenamento jurídico estabeleceu este princípio na Constituição de 1988, em seu artigo 5º, inciso LIV, declarando que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Isto se deve a um processo lento e contínuo de transformação, reforçando tal idéia vem à lição de Canotilho: "Perante as experiências históricas da aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a dignidade da pessoa humana como base da república significa, sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do "homo noumenon", ou seja, o indivíduo como limite e fundamento do domínio político da república". Na esteira do pensamento iluminista dos séculos XVII e XVIII, o Garantismo parte da noção meta-teórica da centralidade da pessoa e de seus direitos fundamentais, bem como da anterioridade lógica da sociedade em relação ao Estado, que é visto como produto e servo daquela. Elaborado por Luigi Ferrajoli e outros juristas a partir dos últimos anos da década passada na Itália, o Garantismo dá ainda seus primeiros passos, mas desde já se apresenta como uma teoria suficientemente promissora para alimentar as esperanças daqueles que acreditam que o Estado de Direito ainda pode ser eficazmente realizado.
O garantismo sustenta o modelo de Direito Penal Mínimo de Ferrajoli. Esse modelo está vinculado diretamente ao modelo de processo penal garantista. Só um processo penal que, em garantia dos direitos do imputado, minimize os espaços impróprios da discricionariedade judicial, pode oferecer um sólido fundamento para a independência da magistratura e ao seu papel de controle da legalidade do poder.
Vale salientar que a evolução do processo penal está intimamente relacionada com a evolução da pena, que por sua vez é reflexo da estrutura do Estado em um determinado período. O processo surge com o terceiro estágio de desenvolvimento da pena, agora como "pena estatal", que vem marcada por uma limitação jurídica do poder de perseguir e punir. A pena somente pode ser imposta mediante o processo judicial e pelo Estado.
Ressalta-se nas lições de Guilerme de Souza Nucci que: “A punição estatal, logo oficial, realizada por meio do devido processo legal, proporciona o necessário contexto do Estado Democrático de Direito, evitando-se a insatisfatória e cruel vingança privada”. Porém para a justiça brasileira aplicava-se sempre uma justiça retributiva, desprezando quase por completa a avaliação da vítima do delito, o que interessava era a punição do indivíduo, excluindo por vezes valores indisponíveis em prol dos coletivos. Aos poucos vem sendo substituída esse tipo de pena por uma justiça restaurativa, começando a relativizar os interesses, transformando de coletivos em “individuais típicos”, disponíveis. Ouvindo-se mais as vítimas, procurando uma conciliação durante o processo, até mesmo o perdão recíproco, restaurando o estado de paz. Há uma flexibilização da ação penal. O sistema penal caminha para a valorização de direito e garantias individuais. Contudo, Nucci alerta que não se pode migrar em definitivo para o sistema restaurativo das penas, pois isso não proporcionará o equilíbrio almejando entre os penalistas.
Se por um lado o filme traz a tona questões de ordem humanística, também revela como pode ser tênue a linha que perpassa a justiça de fato e a de direito, esta última tendo a faculdade de privar o homem de sua liberdade, portanto sendo especialmente importante, por isso a necessidade de garantias constitucionais, respeitando-se princípios como o devido processo legal, um macro princípio que permeia em sua fonte outros, como o da ampla defesa e o contraditório, da presunção da inocência, da legalidade ou da reserva legal, do duplo grau de jurisdição, da individualização da pena, etc. Nesse entendimento, faz-se necessário estabelecer estratégias de defesa com o intuito de proteger garantias postas em nossa Carta Magna, bem como sua aplicação dentro do caso concreto, humanizando as penas, evitando a estigmatização (teoria do etiquetamento) do indivíduo.
O julgamento de Nuremberg é sem dúvida um filme obrigatório para o estudante de direito, pois revela de forma contundente e esclarecedora como o direito pode ser usado de forma negativa, impondo uma trajetória em que se estabelece um comportamento ético. Portanto agradeço ao professor Uraquitan pela oportunidade de conhecer o conteúdo deste filme, bem como de estender-me em minhas considerações.

Curiosidades:
1. As sentenças à morte foram realizadas por enforcamento. Os juízes franceses sugeriram o uso do fuzilamento para os condenados militares, visto tratar-se de um procedimento normal para tribunais de guerra militares, mas tal foi oposto por Biddle e pelos juízes soviéticos. Estes argumentaram que os oficiais militares tinham violado a ética militar e não mereciam serem fuzilados, o que seria mais dignificante;
2. Foi reportado que Streicher tenha gritado Heil Hitler! na forca;
3. Os prisioneiros foram incarcerados na Prisão de Spandau.
4. O Tribunal Penal Internacional (TPI) ou Corte Penal Internacional (CPI) é o primeiro tribunal penal internacional permanente. Foi estabelecido em 2002 em Haia, cidade nos Países Baixos, onde inclusive fica a sede do Tribunal, conforme estabelece o artigo 3º do Estatuto de Roma, documento aprovado no Brasil pelo Decreto Nº 4.388 de 25 de setembro de 2002.
5. O objetivo da CPI é promover o Direito internacional, e seu mandato é de julgar os indivíduos e não os Estados (tarefa do Tribunal Internacional de Justiça). Ela é competente somente para os crimes mais graves cometidos por indivíduos: (genocídios, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e talvez os crimes de agressão quando estes tiverem sido definidos), tais que definidos por diversos acordos internacionais, principalmente o estatuto de Roma. O nascimento de uma jurisdição permanente universal é um grande passo em direção da universalidade dos Direitos humanos e do respeito do direito internacional.
6. O Tribunal Internacional de Justiça ou Corte Internacional de Justiça é o principal órgão judiciário da Organização das Nações Unidas. Tem sede em Haia, nos Países Baixos. Por isso, também costuma ser denominada como Corte da Haia ou Tribunal da Haia. Sua sede é o Palácio da Paz. Foi instituído pelo artigo 92 da Carta das Nações Unidas: « A Corte Internacional de Justiça constitui o órgão judiciário principal das Nações Unidas. Funciona de acordo com um Estatuto estabelecido com base no Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional e anexado à presente Carta da qual faz parte integrante." Sua principal função é de resolver conflitos jurídicos a ele submetidos pelos Estados e emitir pareceres sobre questões jurídicas apresentadas pela Assembléia Geral das Nações Unidas, pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ou por órgãos e agências especializadas acreditadas pela Assembléia da ONU, de acordo com a Carta das Nações Unidas. Foi fundado em 1946, após a Segunda Guerra Mundial, em substituição à Corte Permanente de Justiça Internacional, instaurada pela Sociedade das Nações. O Tribunal Internacional de Justiça não deve ser confundido com a Corte Penal Internacional, que tem competência para julgar indivíduos e não Estados.
Flávio Fraga

terça-feira, 23 de março de 2010

Resenha do filme Meu Nome não é Johnny



O filme “Meu nome não é Johnny” é baseado na obra homônima de Ricardo Fiúza, o livro publicado pela editora Record contém 336 páginas da trajetória do que seria o maior traficante da década de 90, o filme por sua vez é uma realização do diretor e produtora: Mauro Lima (Primeiro longa metragem, antes só tinha dirigido videoclipes) e Mariza Leão, tendo como auxílio o protagonista do livro João Guilherme Strella, fazendo inclusive, uma ponta como enfermeiro do sanatório.
A vida de João Guilherme Strella é sem dúvida rica em fatos, que traduzido para o cinema se tornou uma das maiores bilheterias do cinema naquele ano, pondo fogo em temas polêmicos como: drogas, sexo e família. A linha temporal do filme fica entre o final da década 70, em sua infância vivida no Rio de Janeiro, passando pelos anos 80 e finalizando com os anos 90, de forma bem construída e harmônica.
O homem evolui, e a sociedade com ele, o conceito de família, objeto de estudos de diversas ciências, como a sociologia, psicologia e abordado pelo próprio direito, vem se modificando ao longo dos tempos, de uma sociedade extremamente patriarcal, para uma sociedade que busca a igualdade, contudo não a igualdade da primeira dimensão, promovida pelos franceses, como a igualdade entre homens, e nem na segunda, como a igualdade social, e sim a igualdade substancial, defendida por Rui Barbosa, comentada por Paulo Bonavides e sustentada por Aristóteles: “A verdadeira igualdade consiste em tratarem-se igualmente os iguais e o desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”, sendo seu bojo a justiça comutativa. Contudo, a família mesmo como objeto científico é sem dúvida estrutura difícil de ser estudada e avaliada no contexto de hoje, pois o progresso transforma tudo, e isso é um óbice ao qual o Estado tem que está atento, seja de forma preventiva, com campanhas de inclusão social de famílias de baixa renda ou mesmo repressivas, como o combate a violência doméstica. Este preâmbulo norteia a importância da família na introdução de valores morais (super-ego, ao qual direcionará a vida da criança pelo resto de sua vida, pois formará sua personalidade, isso João ou Johnny, tenha perdido em algum momento quando criança).
O filme não se preocupa em dá lições de moral, apenas espelha uma parcela da juventude de sua geração, boêmia, arraigadas a busca pelo prazer, sem maiores responsabilidades, que passam de viciados a criminosos. João é o retrato fiel do jovem de classe média, popular, inteligente e que se utiliza dos adjetivos para beneficiar-se, desafiando a lei, aventurando-se num futuro que mais tarde traduziria de maneira enérgica o futuro dos que vivem a margem da lei.
Uma estética comum a biografias, ou filmes baseados em livros sobre a vida privada, é a narração do próprio protagonista ou pessoa biografada, revisitando sua vida e acrescentando com emoção e fidelidade os caminhos percorridos pelo personagem, coisa que não houve neste filme, o diretor preferiu uma abordagem mais dinâmica, com mais ação e sem intervenção dos depoimentos, que para mim, prejudicou a mensagem final do filme. Seria interessante poder entender ou compreender passagens ao qual o próprio Strella sentiu, o que o levou a cometer determinados atos, comentários importantes aos quais sem dúvida acrescentaria muito ao filme, sem contudo perder a essência do livro, seria apenas um plus, acréscimo valioso a película. No entanto o filme não perdeu em ação e adrenalina, sendo constante na fidedignidade ao livro, ao qual traduz já na orelha do livro a síntese de Zuenir Ventura, fazendo em duas linhas a resenha definitiva do relato que temos em mãos: "Utilizando recursos ficcionais, o livro de Fiúza é um irresistível thriller sem ficção, num ritmo vertiginoso e por meio de uma linguagem feita preferencialmente de substantivo e verbo, sujeito e ação". Ao que acrescentaríamos: um thriller acima de qualquer suspeita literária.
Mas se por um lado o filme prende por ser um trepidante filme de ação, por outro, nos mostra a realidade sem disfarce de uma sociedade capenga, a exemplo das péssimas condições dos manicômios judiciários, das prisões e carceragens, dos atrasos e erros processuais, dos excessos de prisões preventivas, de estatísticas negativas do crime, isto o que os dados mostram e contam, e também os que não estão lá, calculados numa nota fria. Os aparelhos estruturais do Estado brasileiro, sejam de cunho preventivo ou repressivo, precisam urgente de reformas sérias, e não de ideologias sem fundamento, exclusivamente de cunho político.
Johnny é mais um de tantos jovens brasileiros usuários de drogas, diferente dos números, teve sorte, pois encontra-se vivo, contudo não foi vítima de drogas modernas como o Crack e a ice, que viciam na primeira ou segunda pedra, fazendo com que o utente perca completamente o discernimento, sem saber avaliar o certo do errado, pois há perda do equilíbrio psicológico, difícil de ser resgatado, chegando às raias da intervenção. O que é um indivíduo sem personalidade e sem o poder de tomar suas próprias decisões? Neste caso, vira apenas um fantoche nas mãos de traficantes ou pessoas sem escrúpulos.
Se João Strella tivesse seguido o caminho inverso, seria bem sucedido? Teria viajado? Conquistado mulheres e chegado à cifra de 1.000.000,00 (um milhão)?, Talvez não, mas com certeza arrependeu-se de tudo, inclusive realiza palestras dando depoimentos sobre sua vida, mostrando o caminho inverso que se deva percorrer, o da luta e conquista realizada pelo esforço e merecimento, dentro da lei. Com apoio da família e amigos, sem que com isso ponha em risco a própria vida e a de nenhum ente querido.
Essa seqüência de imagens nos faz refletir sobre a trajetória do crime e seu resultado, que é estampado diariamente nos diversos meios de comunicação, é a era ou a geração da violência, vivemos trancados e os marginais soltos, estamos sobre regime de guerra, pois o consumo das drogas aumenta vertiginosamente e com ela as milícias armadas, crianças são recrutadas pelo tráfico, não brincam mais, prostituem-se, armam-se, em nome de uma guerra civil camuflada; os vendedores não possuem a mesma cara e idade da década de 90. As vovós do tráfico comandam quadrilhas e os centros de ressocialização são escolas de formação para bandidagem.
Vemos várias Sofias (Cléo Pires), mulheres de traficantes ou mesmo traficando, nos noticiários, sendo chefes das bocas de fumo ou até mesmo assaltantes e homicidas, coisa que décadas atrás seria difícil de conceber a não ser na ficção, como no filme Telma e Louise ou Bonnie e Clyde. Os valores estão se invertendo e nós estamos nos acostumando. Modernização, progresso? Acho que para a primeira hipótese é um caminho inevitável, porém para a segunda, se enquadra em seu antagonismo, o regresso, seja na esfera social ou na conjuntura global, ambiente, recursos escassos e política, uma trajetória de futuro sem grandes possibilidades de desenvolvimento humano. São necessárias transformações sérias, mudanças na estrutura das leis e nos instrumentos ideológicos do Estado, maior preocupação com o ser humano e busca de soluções ambientais sustentáveis.
Não gostaria que esse filme em anos posteriores fosse visto, como quadrinhos de uma realidade glamorosa, pois a passos que estamos dando, falo de nossa sociedade, Strella será visto como um anti-herói, tamanha é a evolução do narcotráfico ramificando-se inclusive nos poderes do Estado. Precisamos de um alerta geral, conscientização e muita luta em prol de políticas sérias de combate as drogas.
Um aspecto importante a ser considerado entre as abordagens realizadas entre o filme e o sistema processual penal são as culturas de mídia e seus reflexos na sociedade, produzindo um estereótipo negativo e caricaturizando a justiça, desacreditando sua organização. A sociedade atual reclama por uma justiça rápida e rígida o que impede a devida maturação do processo. Essa necessidade, por sua vez, emerge do condicionamento de receber as notícias com maior velocidade, acrescida do estado de pânico. A sociedade sente a necessidade de que todos os crimes tivessem soluções urgentes porque existe uma enorme quantidade de informações relativas ao crime que são difundidas quase que momentaneamente. Bastante esclarecedoras são as palavras do jurista Aury Lopes Jr. “Estabelece-se um grande paradoxo: a sociedade acostumada com a velocidade da virtualidade não quer esperar o processo, daí a paixão pelas prisões cautelares e a visibilidade de uma imediata punição. Assim querem o mercado (que não pode esperar, pois o tempo é dinheiro) e a sociedade (que não quer esperar, pois está acostumada com o instantâneo). Isso ao mesmo tempo em que desliga do passado, mata o devir, expandindo o presente. Desse presenteísmo / imediatismo brota o Estado de Urgência, uma conseqüência natural da incerteza epistemológica, da indeterminação democrática, do desdobramento do Estado Social e a correlativa subida da sociedade de risco, a aceleração do tempo efêmero da moda. O Estado de Urgência a que se refere à transcrição acima significa uma construção ideológica na qual a mídia faz eco, com o aval do Estado, para chamar a atenção do caos, ou seja, cria-se um terror na sociedade para legitimar uma intervenção dura do Estado que, por sua vez, utiliza-se do processo penal para almejar este objetivo. A esse desvio de função do processo penal a doutrina denomina de utilitarismo do processo penal”.
O professor Rogério Greco acrescenta: “O estudo dos regimes de aplicação excepcional se reveste de grande importância na atual conjuntura mundial e nacional. Vive-se uma época em que imperam os discursos de terrorismo estatal e super criminalização que, se por um lado não se prestam a resolver as tensões sociais do mundo contemporâneo, por outro, agravam ainda mais o sentimento de insegurança em que já se vive. A ideologia do binômio “emergência – segurança” como exceção constante, afastando a sociedade da deliberação política e enfraquecendo o Poder Judiciário em sua função de garantidor dos direitos individuais. Portanto, a partir do estudo das características dos regimes excepcionais é possível analisar criticamente o funcionamento das instituições democráticas no Estado”.
Diante deste quadro em que as soluções devem ser proferidas o mais rápido possível e, como se não bastasse, devem possuir o invólucro da violência, isto significa dizer que a sociedade passou a cobrar do Poder Judiciário medidas violentas para o combate a criminalidade. E o que é pior, sem o trânsito em julgado, ou seja, há uma intensa cobrança para que o Poder Judiciário tome uma medida urgente para solucionar o caso. E o Poder Judiciário, cedendo aos anseios da sociedade, se vale de decisões e procedimentos para saciar esta necessidade.
O professor Aury Lopes complementando suas considerações propugna: “A criminalidade é fenômeno social complexo, que decorre de um feixe de elementos, onde o que menos importa é o direito e a legislação penal. A pena de prisão está completamente falida, não serve como elemento de prevenção, não reeduca nem tampouco ressocializa. Como resposta ao crime, a prisão é um instrumento ineficiente e que seve apenas para estigmatizar e rotular o condenado, que, ao sair da cadeia, encontra-se em uma situação muito pior do que quando entrou. Se antes era um desempregado, agora é um desempregado e um ex-presidiário. Destarte, a prisão deve ser reservada para os crimes graves e os criminosos perigosos. Não deve ser banalizada. Em definitivo estamos sendo vítimas de uma propaganda enganosa, que nos fará mergulhar numa situação ainda mais caótica. É mais fácil seguir no caminho do Direito Penal simbólico, com leis absurdas, penas desproporcionadas e presídios super lotados, do que realmente combater a criminalidade. Legislar é fácil e a diarréia legislativa brasileira é a prova inequívoca disso. Difícil é reconhecer o fracasso da política econômica, a ausência de programas sociais efetivos e o descaso com a educação. Ao que tudo indica, o futuro será pior, pois os meninos de rua que proliferam em qualquer cidade brasileira, ingressam em massa nas faculdades do crime, chamadas de “FEBEM”. A pós-graduação é quase automática, basta completar 18 anos e escolher algum dos superlotados presídios brasileiros, verdadeiros mestrados profissionalizantes do crime”.
Ferrajoli destaca, ainda a existência de verdadeiras penas processuais, pois não só o processo é uma pena em si mesmo, senão também que existe um sobrecusto inflacionário do processo penal na moderna sociedade de comunicação de massas. Existe o uso da imputação formal como um instrumento de culpabilidade preventiva e de estigmatização pública, e, por outra parte, na proliferação de milhares de processos a cada ano, não seguidos de pena alguma e somente geradores de certificados penais e de status jurídico-sociais (de reincidente, perigoso, à espera de julgamento, etc).
Essa grave degeneração do processo permite que se fale em verdadeiras penas processuais, pois confrontam violentamente com o caráter e a função instrumental do processo, configurando uma verdadeira patologia judicial, na qual o processo penal é utilizado como uma punição antecipada, instrumento de perseguição política, intimidação policial, gerador de estigmatização social, inclusive com um degenerado fim de prevenção geral. Exemplo inegável nos oferecem as prisões cautelares, verdadeiras penas antecipadas, com um marcado caráter dissuasório e de retribuição imediata.
Este problema que trouxe em voga está além da atuação dos operadores do Direito, mas muito próxima das questões de políticas públicas, tais como: educacional, desigualdade social, saúde, moradia, etc., ou seja, antes de buscar a solução para reduzir os índices de criminalidade através do processo penal é muito mais interessante a busca pelos motivos que fazem com que existam tais índices extremamente elevados. Deve-se tratar este problema a partir da raiz e não ficar utilizando alternativas inúteis. Não se pode negligenciar os direitos e garantias previstas na Constituição, deve-se pelo contrário vigiar e punir os abusos de poder e ilegalidades praticadas.
Um aspecto que me despertou atenção onde teve seu início no preâmbulo do filme e repete-se ao final, foi a mensagem da Juíza Marilena Soares num cartão de natal enviado a Strella: “O verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que lançamos pela primeira vez um olhar inteligente sobre nós mesmos (...)” de Marguerite Yourcenar, caracterizando uma humanização da figura do juiz, vista pela maioria como algo de ímpeto intransponível, que neste caso revela-se fundamental a recuperação de alguém. Pequenos gestos, grandes homens, Christian Gurtner por Mahatma Gandhi. De sorte que João conseguiu reconquistar sua vida, recomeçar, caso raro entre tantos que assistimos de casa, o ideal, e como idealista que sou, é deixar de assistir e participar, como futuro operador ou profissional do direito das mudanças que efetivamente façam a diferença, buscando alternativas para recuperações de outros Strellas, mesmo com pequenos gestos. O que seria de um estudante sem ideologias? E a minha é de conhecer minha humanidade exercitando a capacidade de amar o próximo.
Por Flávio Fraga

Canção


Canção

Cecília Meireles

Pus o meu sonho num navio

e o navio em cima do mar;

- depois, abri o mar com as mãos,

para o meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas

do azul das ondas entreabertas,

e a cor que escorre dos meus dedos

cobre as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,

a noite se curva de frio;

debaixo da água vai morrendo

meu sonho dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,

para fazer com que o mar cresça,

e o meu navio chegue ao fundo

e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito:

praia lisa, águas ordenadas,

meus olhos secos como pedras

e as minhas duas mãos quebradas.

segunda-feira, 22 de março de 2010

O banho de xampu


O banho de xampu

Elizabeth Bishop

Tradução de Paulo Henriques Britto


Os liquens - silenciosas explosões

nas pedras - crescem e engordam,

concêntricas, cinzentas concussões.

Têm um encontro marcado

com os halos ao redor da lua, embora

até o momento nada tenha mudado.

E como o céu há de nos dar guardia

enquanto isso não se der,você há de convir, amiga,

que se precipitou;

e eis no que dá. Porque o Tempo é,

mais que tudo, contemporizador.

No teu cabelo negro brilham estrelas

cadentes, arredias.

Para onde irão elastão cedo, resolutas?

- Vem, deixa eu lavá-lo, aqui nesta bacia

amassada e brilhante como a lua.

Meu Deus, me dê a coragem


Meu Deus, me dê a coragem
Clarice Lispector


Meu Deus, me dê a coragem

de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,

todos vazios de Tua presença.

Me dê a coragem de considerar esse vazio

como uma plenitude.

Faça com que eu seja a Tua amante humilde,

entrelaçada a Ti em êxtase.

Faça com que eu possa falar

com este vazio tremendo

e receber como resposta

o amor materno que nutre e embala.

Faça com que eu tenha a coragem de Te amar,

sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.

Faça com que a solidão não me destrua.

Faça com que minha solidão me sirva de companhia.

Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.

Faça com que eu saiba ficar com o nada

e mesmo assim me sentir

como se estivesse plena de tudo.

Receba em teus braços

o meu pecado de pensar.

Tortura


Tortura
Florbela Espanca


Tirar dentro do peito a Emoção,

A lúcida Verdade, o Sentimento!?

E ser, depois de vir do coração,

Um punhado de cinza esparso ao vento!...

Sonhar um verso de alto pensamento,

E puro como um ritmo de oração!?

E ser, depois de vir do coração,

O pó, o nada, o sonho dum momento...

São assim ocos, rudes,

os meus versos:Rimas perdidas, vendavais dispersos,

Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,

O verso altivo e forte, estranho e duro,

Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!

O êxito parece a mais doce das coisas


O Êxito Parece a Mais Doce das Coisas


O êxito parece a mais doce das coisas

A quem nunca venceu na vida.

Ter a compreensão de um néctar

Exige a mais dolorosa necessidade.

De entre o purpúreo Exército

Que hoje empunhou a Bandeira

Nenhum outro poderá dar

uma tão clara Definição da Vitória

Como o vencido - agonizante - Em cujo ouvido interdito

A distante ária triunfal

Ressoa nítida e pungente!


Emily Dickinson, in "Poemas e Cartas" Tradução de Nuno Júdice

Pequenos gestos


Quem sou eu além daquele que fui?

Perdido entre florestas e sombras de ilusão

Guiado por pequenos passos invisíveis de amor

Jogado aos chutes pelo ódio do opressor

Salvo pelas mãos delicadas de anjos

Reerguido, mais forte, redimido,

Anjos salvei
Por justiça lutei

E o amor novamente busquei

Quem sou além daquele que quero ser?

Puro, sábio e de espírito em paz

Justo, mesmo que por um instante,
Forte, mesmo sem músculos,

E corajoso o suficiente para dizer “tenho medo”

Mas quem sou eu além daquele que aqui está?Sou vários, menos este.

O que aqui estava, jamais está

E jamais estará
Sou eu o que fui e cada vez mais o que quero ser

Mudo, caio, ergo, sumo, apareço, bato, apanho, odeio, amo…

Mas no momento seguinte será diferente

Posso estar no caminho da perfeição

Cheio de imperfeições

Sou o que você vê…

Ou o que quero mostrar.

Mas se olhar por mais de um segundo,Verá vários “eus”,

Eu o que fui, eu o que sou e eu o que serei.

"Christian Gurtner"

sexta-feira, 12 de março de 2010

CNJ aprova monitoramento eletrônicos de presos e audiência por videoconferência

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) aprovou nesta terça-feira (09/03/10) um conjunto de medidas para a reforma do poder Judiciário no país, que inclui projetos de lei que serão submetidos ao Congresso Nacional, além de resoluções que independem de aprovação legislativa. Entre as medidas está a documentação de depoimentos e audiências por videoconferência, o direito de voto para presos provisórios, além do monitoramento eletrônico de detentos que cumprem a pena em regime aberto.
De acordo com o CNJ, o objetivo do documento --que possui 154 páginas e foi aprovado pelo plenário do CNJ-- é modernizar o sistema penal brasileiro. O pacote de alterações foi levado à consulta pública durante 60 dias.
Outra alteração proposta pelo CNJ, que depende de aprovação legislativa, é a possibilidade do pagamento de fiança para os crimes de todas as espécies, incluindo os "mais graves e de ordem financeira".
O órgão propõe ainda a criação de um sistema de proteção a juízes em situação de risco no país, além de incentivos fiscais às empresas que contratarem presos ou ex-detentos. Além disso, o Conselho propõe que o detento possa negociar sua pena com o Ministério Público.
Em relação ao monitoramento eletrônico --proposta que depende de aprovação do Congresso--, a ideia é tornar o mecanismo obrigatório para todos os detentos que cumpram pena domiciliar. "Essa alternativa seria utilizada para pessoas beneficiadas com o regime aberto, que geralmente trabalham durante o dia e à noite devem retornar aos albergues", diz o CNJ.
"São medidas necessárias para ter uma justiça criminal mais eficiente tanto na perspectiva de direitos humanos quanto na perspectiva de segurança pública", disse o presidente do Conselho e do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Gilmar Mendes.

Resenha do livro "As Misérias do Processo Penal"

As Misérias do Processo Penal – resenha crítica
Esta resenha está fundamentada na obra “As Misérias do Processo Penal” do grande jurista Francesco Carnelutti, ao qual foi traduzida da versão espanhola do original italiano por Carlos Eduardo Trevellin Millan. A data da primeira publicação desta obra foi em 1957, sobre o título original “Le miserie Del processo penale”. Francesco Carnelutti (Udine 1879Milão 1965), foi um dos mais eminentes advogados e juristas italianos e o principal inspirador do Código de Processo Civil italiano. Mestre do direito substantivo civil e penal. Em 1924, juntamente com Giuseppe Chiovenda, fundou e dirigiu a Rivista di Diritto Processuale Civile (Revista de Direito Processual Civil).
Uma das primeiras coisas que chama a atenção para o livro é seu título e a que ele se propõe, seria um diagnóstico da ciência processual penal em sua época? ou seria um manifesto para transformações urgentes?. Para responder estas perguntas o autor propugna uma reflexão sobre a leitura de cento e vinte e sete páginas, ao qual surpreendentemente nos revela mais que apenas uma leitura sobre a ciência processual.
Para estabelecer parâmetros sobre seu livro e suas idéias, faz-se necessário entender o contexto do Direito Penal em sua época, ao qual sintetizo: O Mundo passa por profundas transformações humanas, ainda sob a sombra da pós-guerra, os princípios que norteiam o direito caracteriza-se com a preocupação com a vida humana, tal como o princípio da dignidade da pessoa humana, esta será o norte para a legislação dos Estados, que garantirão através de suas Constituições diretrizes para a conduta de seus povos. O código penal vigente no Brasil na data da publicação do livro é o de 1940 e o código de processo penal é de 1941. Foi na década de 50 que o Brasil começou a se modernizar. Foi nesta década que chegou ao Brasil a televisão, ocasionando profundas mudanças nos meios de comunicação. A imprensa falada ganha corpo com rádio, levando informação aos mais remotos rincões, o mundo passa por uma efervescência cultural atingido o Brasil com uma intensa movimentação tanto na música quanto no cinema, teatro, sendo a Bossa Nova um grande exemplo desses movimentos. O país engatinha a caminho da modernização, passando de país agrário, com a maior parte da população morando no campo a caminhar para a industrialização com a população migrando do campo para as cidades proporcionando um grande crescimento destas e se urbanizando. Os anos 50 se caracterizaram por uma profunda modificação na sociedade brasileira. Nesta década o Brasil inicia os primeiros passos para entrar no caminho do desenvolvimento econômico. Foram anos de intensa movimentação política culminando com a chegada de Juscelino à presidência, prometendo modernizar o Brasil. Seu grande feito que o projetou para história foi a construção de Brasília a nova capital. A novidade governamental foi seus planos de metas,prometendo governar 50 anos em 5. O populismo impera com governantes com grande apelo popular. O grande populista, Getúlio que sai da vida para passar para história em 1954. Os grupos sociais começam a se organizar em associações, sindicatos e partidos dando o chute inicial do que seriam as grandes mudanças ocorridas nos anos 60, inclusive no aspecto jurídico, pois o país importa teorias e idéias de grandes penalistas, refletindo em nossa doutrina processual penal. Como as difundidas teorias de Carnelutti sobre a Jurisdição e conceito de processo (Direito Processual é aquela parte do direito que regula o processo, “Instituições do novo processo civil italiano”, pag.29;30). Ele juntamente com outros inauguraram a fase instrumentista do processo, a preocupação com o fim a que se dá o processo, a quem se destina, seus resultados, como dinamizar o seu acesso, são uma das preocupações desta fase, que segue nos dias de hoje.
Logo no prefácio de seu livro o autor traz a eterna dicotomia entre a luta do bem contra o mal, da sabedoria usada para o bem ou para o mal, o caminho entre a prece e o mal que se torna espetáculo de cinema. Aqui ele traça um perfil do homem entre seu niilismo absoluto, que chama de incivilidade, alusão aos espetáculos processuais, e sua humanidade cristã. Ele traduz seu sentimento niilista na seguinte frase: “considerar o homem como uma coisa: pode haver uma fórmula mais expressiva da incivilidade?” e complementa: “No entanto, é o que ocorre, infelizmente, em nove de cada dez vezes no processo penal.”, concluindo que as penitenciárias ou prisões, são zoológicos e os imputados animais. Surge daí uma controvérsia, onde começa a ciência e termina a religião, estaria correto unir as duas?, Cristo seria o caminho para a salvação da ciência processual ou um caminho a seguir?, entendo que estas discussões levam a confusão, seja aplicado ao ceticismo científico e sua zetética ou nos dogmas religiosos. Como cientista prefiro entender soluções práticas no campo processual, deixando o humanitário para as igrejas, contudo sem jamais deixar de entender que o fim da ciência é homem e a ele se objetiva todo o estudo e aprofundamento promovendo sua evolução.
No capítulo sobra a toga, ele define estas vestes como algo senão sendo uma farda, divisa, em que se é usada para compor uma guerra, para ele o Juiz está ali para celebrar a paz, enquanto o advogado e ministério público estão para declarar guerra (teoria da guerra processual), em que um sairá vitorioso e o outro derrotado, esse esforço é realizado para alcançar a justiça. A primeira miséria do processo penal ao qual retrata é a intervenção pública nos processos judiciais, a banalização do ser humano, a indiferença do judiciário perante tal situação, ele retrata como uma situação de total desordem. Tema que se torna atualíssimo como no caso das prisões temporárias, criada pela lei n.7.960/89, que tem como intuito coibir as ilegais prisões para averiguação, a prisão temporária possui três requisitos: ser imprescindível para a investigação policial; não ter o indicado residência fixa ou não fornecer elementos para sua identificação; e existir fundadas razões de sua autoria e participação em uma série de delitos como quadrilha ou bando, tráfico de drogas e crimes contra o sistema financeiro. Na prática, a prisão temporária tem sido decretada por magistrados de primeira instância sem a devida fundamentação, servindo apenas para a polícia coagir os acusados a confessar ou aceitar a chamada delação premiada. Alguns juristas a vê como desnecessária, pois é temporária, como o próprio nome já diz, tais prisões acabam tendo seu prazo vencido ou, então, são revogadas em instâncias superiores. O próprio poder judiciário finca prejudicado em sua já combalida imagem, conforme se vê na publicação do Jornal do Comércio do dia 19 de agosto de 2009, onde revela o ranking da taxa de congestionamento das justiças estaduais em 2008, tendo Pernambuco como o primeiro das mais congestionadas, fora a taxa dos erros judiciários, provando que existe o induzimento pela imprensa a população, onde diz, equivocadamente, que “a polícia prende, mas a justiça solta”... . Porém a forma com que a polícia federal vem executando tais prisões tem, por outro lado, desrespeitado flagrantemente garantias constitucionais como a proibição de tratamento degradante, a inviolabilidade da imagem das pessoas, o respeito à integridade física e moral das mesmas e a presunção de inocência. A imprensa televisiva e escrita é previamente avisada da hora e local em que as prisões são efetivadas, e para onde os detidos serão levados. Prendem-se os acusados na presença de seus familiares, algema-se sem que houvesse qualquer resistência à prisão e, por vezes, jogam-se os detidos nas partes traseiras dos camburões. Contentam-se (em relação aos riscos) coma condenação da opinião pública que se dá por meio da humilhação da prisão, das algemas, etc. Em nome das exigências do direito à informação, que é o “pulmão das democracias modernas”, haja vista a internet com o Google, onde basta digitar seu nome para contemplar dados ao seu respeito, arrasam publicamente os suspeitos, antes de qualquer culpa formada. Retornamos ao Brasil colônia, conforma a advertência feita por Henri Leclerc: “Outrora, condenavam-se à canga ou ao pelourinho os estelionatários, os homens públicos desonestos, os falidos e os falsários. Eram expostos a zombarias da multidão, cabeça e mãos passadas pelo buraco de uma prancha. A pena era infamante e, portanto, tão moralmente dolorosa que os humildes e os pobres se vingavam por suas humilhações cotidianas aplaudindo esses pesados castigos pelos quais passavam os poderosos”.
Carnelutti já traçava o perigo das multidões, onde os magistrados permitiam que assistissem a julgamentos, às vezes, não contendo no tribunal a quantidade de pessoas presentes, sem qualquer interferência dos juízes, já havia pra ele nestes episódios a ideologia do inimigo, provocando a degradação popularesca da justiça. Os que não entendem que a opinião pública não tem o direito de substituir a justiça se arriscam a ser arbitrários e tirânicos como ela.
Para Francesco Carnelutti neste livro a sua maior preocupação está na figura do preso, o apenado, para ele o mais pobre de todos os pobres é o preso, o encarcerado. Também pões as algemas como um símbolo do direito, traduzindo com o mais autêntico emblema do direito, já aí era um expoente do que seria mais tarde tratado na súmula nº11 do STF. Ele diz que seu uso é feito para acorrentar animais, feras. Um traço da humanização do apenado quando se põe em situação de compaixão esta aqui: “Nós não nos assemelhamos aos animais porque estamos na cela, e sim que estamos em uma cela porque nos assemelhamos aos animais. Ser homem não quer dizer não ser, e sim poder não ser um animal. Esta capacidade é a capacidade de amar”. Também para ele a advocacia, o advogado é um ofício que não é favorecido pelo público, isto desfavorecido por uma visão dos meios de comunicação, forte preocupação para ele já naquela década, outro ponto discutido pelo Francesco é que o exercício da advocacia é espiritualmente saudável, pois está em sua prerrogativa o dever de pedir, e pedir nada é que rogar, suplicar, abraçando a humildade e estando mais próximo ao divino.
O juiz para Cernelutti está no topo da pirâmide, numa escala superior. Para ele nada adianta do juiz conhecer outras ciências multidisciplinares, sem está convicto que o apenado não é apenas um réu, e sim um ser humano que nem ele, e tal deve ser tratado, com tamanha dignidade. Outro questionamento feito pelo autor sobre as posições do juiz e defensores, é sobre sua imparcialidade, pois o preço que paga o defensor pela sua imparcialidade é a imparcialidade do juiz, no entanto traduz que o acusador não pode e nem deve ser imparcial, buscando ambos, defensor e acusador premissas até chegar numa conclusão forçada, sendo isto a chave do processo.
Uma outra preocupação do célebre processualista é quanto a natureza das provas, sendo incluído nesse rol as testemunhas, mesmo alertando para possibilidade de mentir, proferi que as testemunhas devem ser protegidas contra perseguições da imprensa e grande multidão, sua identidade tem que ser protegida, pois pode ser influenciada no decorrer do processo, inclusive ter sua integridade ameaçada. Realçando exatamente a atual condição das autoridades diante da preocupação do estado da testemunha, ou seja, o mesmo de décadas anteriores, nenhuma.
Outro argumento defendido por Francesco Carnelutti é o do engessamento do Direito Penal, a falta de modernização e incapacidade de acompanhar a evolução da modernidade, provocando antinomias ao qual o direito processual se torna prejudicado. Onde retrata: “Não se deve protestar contra a lei. De acordo com isto, não se pode protestar contra a necessidade; mas não se pode ocultar que o direito e processo são uma pobre coisa, isto é, verdadeiramente, o que se necessita para fazer avançar a civilidade”. Sendo assim, ele aqui declara que é necessário conhecer suas deficiências para tentar melhorá-las, em busca da civilidade.
Fala também de outra e sem dúvida séria miséria do processo penal, o erro judiciário, pois provoca danos irreparáveis ao imputado, levando consigo o estigma do cárcere, refletida pelo preconceito da sociedade. Na maioria das vezes o autor trata o erro como negligência das autoridades e serventuários, falando em falso pudor. Mais uma realidade de nosso sistema processual, onde por anos o preso mesmo tendo pago sua sentença fica aprisionado, os excessos de prescrições, as prisões por homônimo e a dificuldade de identificá-los, entre outros. Declara certeza coerente que: “...a coisa julgada não é a verdade, mas se considera como verdade. Em suma, é um subrogado da verdade”.
Uma grande miséria do processo penal é a situação em que se encontra os presídios, sua precariedade, sucateamento, situação em que nada se propõe nosso Estado em melhorar. Para o renomado jurista a penitenciária é um hospital, cheio de enfermos de espírito, em vez de doentes de corpo. A que se propõe a penitenciária do que a de promover a redenção do imputado, sua reintegralização a sociedade, capaz de trabalhar para prover a si e sua família; Estes fundamentos fora debate de inúmeras discussões fomentando teorias em que se defendia o Estado como sendo como repressor, depois como preventivo e hoje reintegralizador. Mas como integrar um ex-condenado a sociedade com o sistema prisional falido? Pergunta respondida por estatísticas infelizes que demonstram a total incapacidade do Estado gerir o sistema carcerário penal, a penitenciária é uma fábrica de marginais, cuja a sociedade alimenta, sendo inclusive cenário de batalhas entre grupos formados lá dentro, tendo sua operacionalidade a nível nacional, como o PCC (Primeiro Comando da Capital), facção tão organizada que fora responsável pela desestruturalização do Estado em alguns locais, há lugares em que há completa ausência do Estado e controle total desta facção. Portanto para Canelutti a pena serve para redimir o apenado, realizando progressos maravilhosos em sua enfermidade. Propõe a redenção através do amor e amizade, promovendo sua cura. Para esta cura cada um de nós operadores do direito tem que desenvolver dentro de si o amor pelo próximo, deixando assim, a pena ser um questão apenas jurídica para se transformar numa questão moral, pois cada um a de se comprometer com o outro, de maneira responsável, pois “o Estado pode impor aos cidadãos respeito , mas não lhe pode infundir amor”.
Por fim, mais além do direito, traduz de forma magnânima o tratado a que se propõe este livro, que é o de se viver em paz, com civilidade humanidade e unidade, com devoção e fé, caridade e amor a Cristo, estabelecendo um caminho de amor e fraternidade, isso a que se propõe este livro, um desabafo deste grande jurista.
Neste livro Francesco Carnelutti quis fugir das vicicitudes e pragmatismos científicos, retrata de forma brilhante a realidade processual, mesmo tendo escrito na década de cinqüenta, mas se torna atualíssimo a cada frase e releitura feita, é assustador ao mesmo tempo motivador ver como a ciência processual penal e do direito penal está carente de mudanças, mas mudanças profundas, ao qual como futuro operador do direito quero fazer parte. Finalizo agradecendo ao professor Uraquitan a oportunidade de conhecer essa obra e poder refletir sobre alguns dos caminhos a seguir no processo penal.
Por Flávio Fraga

Revisão de aposentadoria

STJ concede direito à revisão do aposentadoria. Saiba para quem
Publicado em 09.03.2010, às 08h30

Situação para os que se aposentavam entre 5 de outubro de 88 a 5 de abril de 91 era tão complicada que tal período ficou conhecido como ?buraco negro?
O Superior Tribunal de Justiça concedeu, no final de fevereiro, a concessão de revisão de aposentadoria para os segurados do INSS que se aposentaram entre 05 de outubro de 1988 e 05 de abril de 1991. Ou seja, de acordo com a decisão do STJ, publicada no último dia 22, os referidos aposentados poderão, com as garantias legais, aumentar o valor de seus recebimentos mensais. Mas por que somente os pensionistas do INSS aposentados nesse período terão tal direito? Entende-se que, justamente entre outubro de 88 e abril de 91 os contribuintes que se aposentaram foram bastante prejudicados pela instabilidade econômica da época, inclusive as altas inflacionárias, gerando uma quedo no valor dos benefícios. A situação para os que se aposentavam era tão complicada que tal período ficou conhecido como “buraco negro”.
Alguns pedidos de revisão são aceitos nos próprios postos do INSS.A decisão fresquinha do STF, baseada na lei 8.123 de 1991, vem, então, consolidar um entendimento de que esses segurados já tinham direito a essa revisão, uma vez que os benefícios daquela época foram calculados em bases antigas.Entretanto alguns segurados desistem de pedir a revisão antes mesmo da tentativa, por acreditar que a conquista desse direito será uma verdadeira peregrinação até a justiça. Ledo engano. Alguns pedidos de revisão são aceitos nos postos do INSS. Essas mudanças dentro do próprio Instituto, facilitando a vida dos segurados, é fruto de uma grande quantidade de ações judiciais favoráveis aos segurados seguidas de orientações da Advocacia Geral da União (AGU), sugerindo à previdência que suas regras sejam alteradas, a favor dos beneficiados. Dessa maneira, gradativamente, os aposentados vêm adquirindo direitos que melhoram suas vidas.

domingo, 31 de janeiro de 2010




Contemplando a maré baixa

nos mangues do Tijipió

lembro a baía de Dublin

que daqui já me lembrou.


Em meio à bacia negra

desta maré quando em cio,

eis a Albufera, Valência,

onde o Recife me surgiu.


As janelas do cais da Aurora,

olhos compridos, vadios,

incansáveis, como em Chelsea,

vêem rio substituir rio.


E essas várzeas de Tiuma

com seus estendais de cana

vêm devolver-me os trigais

de Guadalajara, Espanha.

Mas as lajes da cidade

não em devolvem só uma,

nem foi uma só cidade

que me lembrou destas ruas.


As cidades se parecem

nas pedras do calçamento

das ruas artérias regando

faces de vário cimento,


Por onde iguais procissões

do trabalho, sem andor,

vão levar o seu produto

aos mercados do suor.


Todas lembravam o Recife,

este em todas se situa,

em todas em que é um crime

para o povo estar na rua,


Em todas em que esse crime,

traço comum que surpreendo,

pôs nódoas de vida humana

nas pedras do pavimento.


João Cabral de Melo Neto
(Paisagens com figuras, 1954/1955)

sábado, 30 de janeiro de 2010

Tecendo a Manhã


Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

João Cabral de Melo Neto

Soneto da Busca


Soneto da Busca


Eu quase te busquei entre os bambus

para o encontro campestre de janeiro

porém, arisca que és, logo supus

que há muito já compunhas fevereiro


Dispersei-me na curva como a luz

do sol que agora estanca-se no outeiro

e assim também, meu sonho se reduz

de encontro ao obstáculo primeiro.


Avançada no tempo, te perdeste

sobre o verde capim, atrás do arbusto

que nasceu para esconder de mim teu busto.


Avançada no tempo, te esqueceste
como esqueço o caminho onde não vou

e a face que na rua não passou.

Poema extraído do livro A Vertigem Lúcida de Carlos Pena Filho

COTOVIA


Cotovia
— Alô, cotovia!

Aonde voaste,

Por onde andaste,

Que saudades me deixaste?


— Andei onde deu o vento.

Onde foi meu pensamento

Em sítios, que nunca viste,

De um país que não existe . . .

Voltei, te trouxe a alegria.


— Muito contas, cotovia!

E que outras terras distantes Visitaste?

Dize ao triste.


— Líbia ardente, Cítia fria, Europa, França, Bahia . . .


— E esqueceste Pernambuco, Distraída?


— Voei ao Recife, no Cais Pousei na Rua da Aurora.


— Aurora da minha vida Que os anos não trazem mais!


— Os anos não, nem os dias,

Que isso cabe às cotovias.

Meu bico é bem pequenino

Para o bem que é deste mundo:

Se enche com uma gota de água.

Mas sei torcer o destino,

Sei no espaço de um segundo

Limpar o pesar mais fundo.

Voei ao Recife, e dos longes Das distâncias, aonde alcança

Só a asa da cotovia,


— Do mais remoto e perempto Dos teus dias de criança

Te trouxe a extinta esperança,

Trouxe a perdida alegria.
(Manuel Bandeira)

Profissão de Fé


Não quero o Zeus Capitolino Hercúleo e belo,Talhar no mármore divino Com o camartelo. Que outro - não eu! - a pedra corte Para, brutal, Erguer de Atene o altivo porte Descomunal. Mais que esse vulto extraordinário, Que assombra a vista, Seduz-me um leve relicário De fino artista. Invejo o ourives quando escrevo:Imito o amor Com que ele, em ouro, o alto relevo Faz de uma flor. Imito-o. E, pois, nem de Carrara A pedra firo: O alvo cristal, a pedra rara, O ônix prefiro. Por isso, corre, por servir-me, Sobre o papel A pena, como em prata firme Corre o cinzel. Corre; desenha, enfeita a imagem, A idéia veste: Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem Azul-celeste. Torce, aprimora, alteia, lima A frase; e, enfim, No verso de ouro engasta a rima, Como um rubim. Quero que a estrofe cristalina, Dobrada ao jeito Do ourives, saia da oficina Sem um defeito: E que o lavor do verso, acaso, Por tão subtil,Possa o lavor lembrar de um vaso De Becerril. E horas sem conto passo, mudo, O olhar atento, A trabalhar, longe de tudo O pensamento. Porque o escrever - tanta perícia, Tanta requer, Que oficio tal... nem há notícia De outro qualquer. Assim procedo. Minha pena Segue esta norma, Por te servir, Deusa serena, Serena Forma!Deusa! A onda vil, que se avoluma De um torvo mar,Deixa-a crescer; e o lodo e a espuma Deixa-a rolar! Blasfemo> em grita surda e horrendo Ímpeto, o bando Venha dos bárbaros crescendo, Vociferando... Deixa-o: que venha e uivando passe - Bando feroz! Não se te mude a cor da face E o tom da voz! Olha-os somente, armada e pronta, Radiante e bela: E, ao braço o escudo> a raiva afronta Dessa procela!Este que à frente vem, e o todo Possui minaz De um vândalo ou de um visigodo, Cruel e audaz; Este, que, de entre os mais, o vulto Ferrenho alteia, E, em jato, expele o amargo insulto Que te enlameia: É em vão que as forças cansa, e â luta Se atira; é em vãoQue brande no ar a maça bruta A bruta mão.Não morrerás, Deusa sublime! Do trono egrégioAssistirás intacta ao crime Do sacrilégio. E, se morreres por ventura, Possa eu morrer Contigo, e a mesma noite escura Nos envolver!Ah! ver por terra, profanada, A ara partida E a Arte imortal aos pés calcada, Prostituída!... Ver derribar do eterno sólio O Belo, e o som Ouvir da queda do Acropólio, Do Partenon!... Sem sacerdote, a Crença morta Sentir, e o sustoVer, e o extermínio, entrando a porta Do templo augusto!...Ver esta língua, que cultivo, Sem ouropéis, Mirrada ao hálito nocivo Dos infiéis!... Não! Morra tudo que me é caro, Fique eu sozinho!Que não encontre um só amparo Em meu caminho!Que a minha dor nem a um amigo Inspire dó... Mas, ah! que eu fique só contigo, Contigo só!Vive! que eu viverei servindo Teu culto, e, obscuro,Tuas custódias esculpindo No ouro mais puro.Celebrarei o teu oficio No altar: porém, Se inda é pequeno o sacrifício, Morra eu também! Caia eu também, sem esperança, Porém tranqüilo,I nda, ao cair, vibrando a lança, Em prol do Estilo!
Olavo Bilac

Clarice Lispector


"Sou o que quero ser, porque possuo apenas uma vida e nela só tenho uma chance de fazer o que quero. Tenho felicidade o bastante para fazê-la doce, dificuldades para fazê-la forte, tristeza para fazê-la humana e esperança suficiente para fazê-la feliz. As pessoas mais felizes não tem as melhores coisas, elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos."

Clarice Lispector

Esperança


Esperança
Mário Quintana

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano,
Vive uma louca chamada Esperança,
E ela pensa que quando todas as sirenas,
Todas as buzinas,
Todos os reco-recos, tocarem
Atira-se,
E — ó delicioso vôo! Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada, Outra vez criança... E em torno dela indagará o povo: — Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes? E ela lhes dirá (É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...
Texto extraído do livro "Nova Antologia Poética", Editora Globo - São Paulo, 1998, pág. 118.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Resenha do Filme MATRIX


RESENHA DO FILME MATRIX
Século 20 e 21, seria real essa contemporaneidade?, o cotidiano, trabalhar?, estudar? Comer?, seguir regras de conduta e de convivência?, “seríamos um conjunto de indivíduos associados e seu sistema que forma ao se unir e que varia conforme a disposição na superfície do território, a natureza e o número das vias de comunicação e que constitui a base sobre a qual se estabelece a vida social?”, estaria certo Durkheim?; mas será que realmente nossas atividades diárias são reflexo do real? Ou será tudo ilusão? Essa primeira discussão do filme, o que é real? Ou o que é ilusão? É uma das bases do discurso do filme, o que é real? Ou que é ilusão? É uma das bases do discurso do filme, que retrata como seria viver num mundo criado pelas máquinas através de um programa chamado Matrix, que remonta com fidedignidade a realidade caótica de nosso século, onde o objetivo é manter a humanidade presa a essa enorme simulação; pois, para qualquer geração, a distinção entre o que é real e o que é apenas percebido como real é uma questão pertinente, tanto que já foi tratada por Confúcio, Platão (O mito das Cavernas) e Descartes (Quando penso sobre os meus sonhos claramente, vejo que nunca existem sinais certos pelos quais estar acordado pode se distinguir de estar dormindo. O resultado é que certos pelos quais estar acordado pode se distinguir de estar dormindo. O resultado é que fico tonto e esse sentimento só reforça a idéia de que eu posso estar sonhando); a segunda discussão do filme é a que os homens em guerra contra as máquinas com suas inteligências artificiais, bloqueiam a luz do sol, para que elas não obtivessem energia solar para sobreviverem, então, sem a energia solar como fonte de energia, tiveram que obter outra fonte, que por revés, tornaram-se sendo os próprios homens, onde através de casulos, homens e mulheres, nascem e morrem, servindo de fonte de energia às máquinas (sinergia – capacidade de várias mídias se alimentarem umas das outras) e sendo pacificados pela Matrix.
O personagem principal vivido pelo ator Keanu Reeves, interpreta o Neo, que trabalha numa empresa de softwere de dia, onde é programador, e também é um hacker conhecido no submundo, até que começa a ter contato com Morpheus (Morfeu tem a habilidade de assumir qualquer forma humana e aparecer nos sonhos das pessoas como se fosse a pessoa amada por aquele determinado indivíduo; curiosamente a droga morfina tem seu nome derivado de Morfeus, visto que ela propicia ao usuário sonolência e efeitos análogos aos sonhos), vivido pelo ator Laurence Fishburne, que vira uma espécie de guru e guia de Neo, o liberta oferecendo-lhe a pílula vermelha que o faz ver a verdade, uma analogia ao Mito da Caverna de Platão em a República cap.VII, por outro lado poderia tomar a pílula azul e continuaria manter-se na ilusão; junto ao Neo e ao Morpheus a Trinity (relativo a santíssima trindade, que no filme seriam: Neo, Morpheus e a própria Trinity), interpretada pela atriz Carie-Ann Moss, onde vive uma guerreira cujo o amor por Neo forma a rocha que dá força aos dois homens. O trio de guerreiros fazem a base do filme, que formam um movimento de resistência às máquinas, onde Neo faz uma espécie de salvador (Cristianismo), com uma habilidade de contornar e quebrar as regras da matrix , sendo capaz de libertar a humanidade do controle das máquinas, no entanto, as máquinas tem sua defesa, agentes virtuais capazes de defender a matrix dos invasores, agente principal dessa defesa é o agente Smith (nome comum nos USA, que no filme mais tarde será associado a um vírus), representado pelo ator Hugo Weaving, ele tem a missão de descobrir o código de localização de Zion, a última cidade humana existente, uma cidade onde a sociedade se formaria através de uma solidariedade orgânica. “um sistema de funções diferentes e especiais, que unem relações definidas, ou seja uma solidariedade produzida pela divisão do trabalho.”, assim definiria Duurkheim, essas funções de trabalho seria a base mantenedora de Zion, onde a consciência individual é subordinada a consciência coletiva. Essa cidade teria uma forma de dominação legítima, que seria legal pois assumiria um procedimento racional através de regras abstratas de caráter técnico ou normativo, e a justiça viria da aplicação dessas regras.
Uma terceira discussão do filme seria uma abordagem religiosa, “Os humanos eram ignorantes do que não podiam ver. Havia muitas ilusões, como se eles estivessem mergulhados no sono e se encontrassem em pesadelos, Eles estavam fugindo, perseguindo outros, envolvidos em ataques, caindo de lugares altos ou voando mesmo sem ter asas. Quando acordam, eles não vêem nada, Ao deixar a ignorância de lado, não estimam suas obras como coisas sólidas, mas as deixam para trás como um sonho.” Essas palavras poderiam muito bem ser ditas por Morpheus em um de seus discursos a Neo, mas na verdade são trechos do Evangelho da Verdade, um manuscrito do século 4 encontrado em 1945 em um jarro enterrado no Egito. Ele faz parte de um conjunto de manuscritos chamado Nag Hammadi, que descreve a crença dos gnósticos, um grupo de cristãos que viveu entre os séculos 2 e 5 e possuía suas próprias escrituras, crenças e rituais. “É a corrente cristã que mais se assemelha à Matrix. Eles acreditavam que nós iríamos acordar do mundo material e perceber que essa não era a realidade verdadeira”, afirma a professora de história da religião Frances Flanery Dailey, do Hendrix College, nos Estados Unidos . Não são poucas as referências que o filme faz ao cristianismo. Neo é tido como um messias e ressuscita no final do filme, Ele é amigo de Apoc (apocalipse) e Trinity (“trindade” em inglês). A última cidade humana, Zion, é uma referência a Sião, a antiga terra dos judeus, e a nave de Morpheus, Nabucodonosor, tem o nome do rei babilônico que aparece na Bíblia com um sonho enigmático que precisa ser decifrado. Nenhuma religião, no entanto, tem tantas semelhanças com o filme quanto o budismo. O principal ponto em comum é a idéia de samsara ou maya, segundo a qual nossas vidas são uma grande ilusão montada pelos nossos próprios desejos. É como se todo o mundo fosse, como diz Morpheus, “uma projeção mental da sua personalidade”, As pessoas estariam presas em um ciclo; elas tratam o que sentem como se fosse real e a ignorância de que aquilo é só uma ilusão as mantêm presas a esse mundo. Em uma das cenas do filme, Neo encontra uma criança com trajes de monge budista que entorta uma colher com a mente. O segredo, diz ela, é saber que a colher não existe. Uma vez superada a ilusão, atinge-se o nirvana, um estado que as palavras não podem descrever, em que a noção de indivíduo se perde. Um dos maiores reforços desse ciclo de ignorância é o fato de estarmos cercados de pessoas que também tratam ilusões como se fossem reais. “Essa idéia foi bem foi bem retratada no filme como uma rede de computadores que liga as percepções dos indivíduos, permitindo que um reforce no outro a ilusão de um mundo que não existe”, diz a historiadora Rachel Wagner, da Universidade de Iowa, que, assim como Frances, é autora de um texto comparado o filme às religiões. O caminho para a transcendência é a busca pessoal por iluminação, tanto para os budistas quanto para Morpheus, que afirma que “ninguém pode explicar o que é Matrix. Você precisa ser você mesmo”. Já Buda disse a seus seguidores: “Vocês próprios devem fazer o esforço; os que despertaram são apenas professores”, e a mesma explicação poderia vir de Morpheus: “Estou tentado libertar sua mente. Neo. Mas eu só posso lhe mostrar a porta.
O método dialético de Engels e Marx atentam para todas as formas de movimentos, inclusive as mudanças de estado, onde a dialética explica o movimento pela luta dos contrários, (o dominado sempre em conflito com o dominante), outro ponto é que em face da ação recíproca universal, onde as causas e efeitos se permitam continuamente: o que é efeito agora, ou aqui, passa a ser causa logo mais ou em outro lugar, e vice-versa. O marxismo diz que o desaparecimento do velho e o nascimento do novo são leis de desenvolvimento, então o mesmo ocorre na sociedade humana. Então seria certo afirmar que os homens na produção, com a intenção clara de produzir mais e gastar menos, possa ter dado a máquina o poder de pensar (artificialmente), onde num processo de resistência ao homem quiseram dominar a humanidade, onde à maquina deixaria de ser comandada pelo homem e passaria a controlá-lo. Porém, no filme Matrix, as máquinas tem um contexto dicotômico, ou seja, ela quer destruir o que seria a resistência, mas eles se utilizam delas pra proteger-se, sendo assim, sobreviveria o homem sem às máquinas?. Mas, esse processo de transformação não seria um processo qualitativo, como prediz a teoria Marxista e sim um processo evolucionista ou mesmo de transformação. Poderíamos usar essa teoria de transformação e utilizá-la como teorema em que Zion vence essa guerra, os humanos vencem às máquinas, seria a luta dos contrários onde essa mudança seria o benefício dos humanos, como por exemplo a capacidade de carregar informações diretamente do cérebro, além de vencer a guerra é claro, essa capacidade transformara o homem em metade máquina tendo conotações éticas e morais a serem discutidas, mesmo assim, teria uma questão de sobrevivência a ser discutida, se às máquinas elaborassem um programa capaz de controlar o homem metade máquina?, seria viável essa capacidade?.
O filme trouxe-me reflexões quanto a dependência do homem para com a máquina, será mesmo criada no futuro uma inteligência artificial capaz de revolta-se contra os homens, tem pesquisadores nessas áreas que afirmam existir essa possibilidade. Será?, bem, prefiro acreditar que não. Não dá para deixar de traçar um paralelo, caso tenha sido intencional ou inconsciente, por parte dos diretores, quanto o tal “conselho-mor” (Matrix Reloaded) fala da diferença entre às máquinas “do bem”, que fazem o serviço sujo para os humanos, e às máquinas “do mal”, que os querem destruir. Troque máquinas por imigrantes e norte americanos, e eis um retrato do atual estado das coisas nos EUA. Seria um exemplo?.

Por Flávio Fraga

sábado, 16 de janeiro de 2010

"Ghost-writers" das leis, consultores legislativos moldam maioria dos projetos do Congresso


Claudia AndradeDe Brasília


Os deputados e senadores levam a fama, mas a maioria dos projetos, relatórios e pronunciamentos apresentados no Congresso Nacional não são de autoria dos parlamentares nem de seus assessores diretos. No anonimato, uma equipe de servidores públicos concursados dedica-se a transformar em páginas e páginas de artigos e dados técnicos a idéia inicial do senador ou deputado. Mais do que atender os pedidos, os consultores orientam os parlamentares a respeito das demandas apresentadas. Desta forma, tornam-se formadores de opinião dos políticos.

Gustavo Taglialegna, um dos 147 consultores do Senado que atuam como "gost-writters" das leis. "Ghost-writers" das leis, os consultores legislativos são quase 350 na Câmara e no Senado. Estima-se que 9 em cada 10 projetos têm os dedos deles em sua elaboração. "O senador pode apresentar o projeto que ele quiser, até um para revogar a lei da gravidade. A gente faz, mas entrega junto uma nota técnica alertando que ele pode ser ridicularizado, que a comunidade científica provavelmente vai contestar, por se tratar de uma lei muito importante. Ele pode seguir nossa orientação e abandonar o projeto ou insistir e apresentar mesmo assim. Isso fica a cargo dele", ilustra o consultor-geral do Senado, Bruno Dantas.Os casos em que um projeto sofre alterações a partir das sugestões da consultoria legislativa são comuns. Dantas cita como exemplo a Lei de Falências, sancionada em fevereiro de 2005. "O projeto chegou bem cru pra gente. Um dos nossos melhores consultores analisou e argumentou com o senador Ramez Tebet (relator do projeto na Casa) que, do jeito que estava, a proposta não ia mudar nada, ia causar ainda mais confusão", conta o consultor-geral.Segundo ele, dos 100 artigos que compunham a matéria inicialmente, a consultoria chegou a 300 no substitutivo. "O difícil foi o senador convencer o líder do governo e o Ministério da Fazenda de que as mudanças eram necessárias. Porque, como o Senado é uma casa revisora, com as mudanças o projeto teve de voltar para a Câmara para ser votado mais uma vez, o que levou mais tempo. Mas o resultado foi uma lei bem mais completa", avalia. Ministro diz não ter lido plano de reforma política.
O ministro das Relações Institucionais, José Múcio, admitiu que não leu documento entregue ao presidente Lula na semana passada com as propostas do governo para a reforma política. O texto, divulgado pela Folha, cita a existe um "incentivo ao mercado partidário para manutenção das bases de coalizão". "Ninguém falou em um mercado partidário. A proposta não fala disso. É tudo um mal-entendido", insistiu Múcio.
O inverso também ocorre, quando um consultor não consegue convencer o parlamentar a incluir algum artigo que considera importante. Dantas cita um exemplo que ele mesmo vivenciou. "Eu achava que a Lei de Execução (que trata de ações de cobrança) podia ser mais audaciosa no sentido de proteger melhor o credor. Porque as leis sempre têm um viés mais para o devedor, que é tratado como coitadinho, o que nem sempre é verdade. Mas não consegui incluir algumas sugestões porque o senador disse que os acordos para a aprovação já tinham sido fechados e não tinha como fazer mudanças."Para o consultor-geral, é importante manter um certo distanciamento do trabalho. "O consultor não pode ter paixão pelos projetos. Mas é verdade que uma das coisas mais frustrantes é elaborar um discurso e não vê-lo pronunciado", admite. Gustavo Taglialegna é um dos 147 consultores do Senado. Ele trabalhou no projeto da Lei de Biossegurança e, a partir dele, desenvolveu tese de mestrado sobre a atuação de grupos de pressão na tramitação do projeto. "Mesmo a gente sendo 'ghost-writer' é gratificante ver uma lei sendo aprovada e saber que a gente teve uma participação ali", conta. Opiniões pessoaisSe a análise técnica permite intervenções do consultor, por meio de nota técnica anexada ao projeto, relatório ou pronunciamento, opiniões pessoais e ideologias políticas devem ficar fora do trabalho. "Não há nenhuma restrição ao consultor se filiar a um partido político. Ele só não pode transpor sua ideologia para o trabalho. Antes de voltar para o gabinete do senador, um projeto passa por quatro pessoas. Isso serve não apenas para identificar erros conceituais e de gramática como também para identificar qualquer intervenção ideológica, que não é tolerada", ressalta o consultor-geral. Por outro lado, a consultoria pode avaliar o efeito prático de uma idéia que tenha origem puramente política. "Muitas vezes um parlamentar representa um determinado grupo e sofre pressão para apresentar um determinado projeto, que não é viável. Nós preparamos o projeto, mas dizemos que ele tem tais e tais problemas. Normalmente o que acontece é que o senador cumpre seu papel, mostra o projeto e a nota para seus apoiadores e pergunta: 'e aí, vocês estão dispostos a enfrentar todos esses obstáculos?'", exemplifica.Na opinião de Bruno Dantas, sem o trabalho da consultoria, "o senador não tem condição de exercer o mandato". "Ele tem conhecimento em duas ou três áreas, mas é requisitado para tudo. Aí é que a gente entra", diz. PerfilPara atender aos 81 senadores, os 147 consultores se dividem em quatro grandes áreas de atuação: direito, economia, social e pronunciamentos, cada uma com subdivisões. Ao prestar concurso, o candidato já faz a opção pela área em que deseja atuar, o que não impede que médicos ou historiadores atuem na área de direito, por exemplo. A área social conta com antropólogos, educadores e sociólogos, entre outros. Em tempo: o salário de um consultor em início de carreira é de R$ 11 mil. O último concurso foi realizado em 2002 e o consultor-geral já aponta carência em algumas áreas. "O direito penal tem falta de consultor, porque tem muita CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), que tem apelo popular muito grande, e por isso os senadores sempre querem apresentar algum relatório ou projeto. A área de Minas e Energia, com o 'boom' do petróleo e do gás, também tem um volume muito grande de trabalho, para apenas dois consultores", cita. Como alguns dos integrantes da equipe já estão aptos a se aposentar, Dantas espera a realização de um novo concurso, ainda sem previsão para ocorrer. A equipe atual é formada em sua maioria por homens e a faixa etária vai de 28 a 68 anos. Consultoria externaA Câmara dos Deputados também possui um serviço de consultoria legislativa dedicado a elaborar projetos, relatórios e pronunciamentos para os parlamentares. A reportagem do UOL tentou falar com Ricardo Rodrigues, diretor do serviço de consultoria, que não quis dar entrevista.Uma reportagem publicada pelo jornal "Correio Braziliense" no início do mês apontou que das 1.429 proposições apresentadas entre fevereiro e junho deste ano, apenas 437 foram feitas pela equipe de 200 consultores da Câmara. Ou seja, em quase 70% dos casos, as consultorias externas foram privilegiadas. Neste caso, os deputados pagariam o serviço com a verba indenizatória de R$ 15 mil a que têm direito mensalmente.No Senado, o consultor-geral estima que "mais de 90%" dos projetos apresentados passem pela consultoria interna. Os demais ficariam a cargo dos assessores pessoais dos parlamentares ou de consultorias externas. "O problema é que a consultoria externa sempre tem lado. Nós não temos lado, porque não podemos ser mandados embora nem temos nosso salário reduzido", pondera.Bruno Dantas acredita que os consultores do Senado têm mais condições de atender aos pedidos, uma vez que a clientela para a qual prestam serviço é menor. "Mesmo se ele for do baixo clero, não tiver uma boa equipe de assessores com ele, a gente vai atender do mesmo jeito", afirma. No primeiro semestre deste ano, o setor recebeu quase 5.000 solicitações. Ao longo de todo o ano passado, foram 9.500. Na Câmara, a demanda dos 513 deputados pode atingir 28 mil solicitações por ano.